Em "Elementos", resultado da residência em Luxemburgo (2019), interessei-me, sobretudo, em explorar
as noções de deslocação e (des-)continuidade territorial. Mas, também, reflectir sobre a casa
enquanto espaço mais vasto e tendo como pano de fundo os princípios de uma fortaleza, de um espaço
que conserva mas também separa do mundo.
Este pequeno país no coração da Europa foi determinante para a criação das bases da União Europeia
tal como a conhecemos hoje. Por se situar numa zona estratégica das rotas comerciais, possui uma
longa e importante história da arquitetura militar. A sua condição, à época, equiparava-se ao
estreito de Gibraltar, dada à dificuldade de invasão externa: são três os anéis concêntricos com uma
série de fortes e castelos que protegem o núcleo da cidade. Uma série de túneis subterrâneos
interligava-os. Neste período de residência, dois acontecimentos tiveram também um forte impacto e
mereceram especial atenção: a crise migratória por conflitos armados ou na possibilidade de uma vida
melhor noutro lugar; e as celebrações dos 30 anos da queda do Muro de Berlim. Interessava também
pensar as noções de construção e desconstrução de limites, de fronteira, de identidades, de formas
visíveis e invisíveis de dominação territorial.
Ao nível plástico a manipulação de papel químico, utilizado por uma das primeiras máquinas de
encriptação de mensagens instantâneas, ponto a ponto - o sistema Telex, foi o material de eleição,
pois convocava toda uma série de dimensões simbólicas inerentes ao ato de registar a palavra, de
atestar compromissos, tratados, de criar leis (não nos esqueçamos que é no Luxemburgo que se situa o
Tribunal de Justiça da União Europeia). Este material, já em desuso pelo sistema económico, foi
manipulado através de uma série de dobras para obter configurações espaciais que prolongavam a
linguagem estrutural da arquitetura do espaço (anexos do Castelo de Bourglinster), mas sempre
condicionadas pelo princípio de fluxo, movimento. De outra forma, estes desenhos no espaço faziam-se
correspondência a outros tantos contextos do território: ao movimento das máquinas agrícolas, às
muralhas de um qualquer castelo ou a simples elementos arquitectónicos que servem para manter as
paredes das casas estáveis (são elementos em ferro que trespassam todo o edifício e que demarcam
várias linhas e configurações na fachada; em Luxemburgo existem imensos). Já a utilização de cera de
abelha - recolhida num produtor local, também arquiteto - sobrepujou esta dimensão e originou
correspondências ao fluxo/comunicação, livre de animais, que também somos. Olhava para a natureza e
para o desequilíbrio da utilização do território, sobretudo de uma utilização industrial, abusiva e
danosa, que faz da vida e do ambiente "natural" refém e circunscrito a determinadas áreas: aquelas
que não têm interesse ou demonstram ser demasiado onerosas para a sua exploração. Falamos, por
exemplo, de depressões (vales) e elevações do solo (montes), ou a presença de faixas na paisagem
como marcos de limite de propriedades.
Já no nível cultural, convocou-se dois movimentos aparentemente contrários: a demolição física de
uma boa parte deste sistema militar e defensivo, ainda no século XIX, e a construção de barreiras
linguísticas em 1984, em plena formação da União Europeia, através da demarcação do dialeto
luxemburguês como língua oficial; e que serve como ferramenta seletiva que limita o acesso de
estrangeiros a certas posições na administração pública assim como no setor privado.
As lajes de ardósia, a terceira matéria nesta instalação, foram recolhidas neste período, aquando da
substituição do telhado do castelo de bourglinster. Para além da relação mais direta com um elemento
fundamental para o desenvolvimento da noção de casa ou abrigo e que atrás referi, ela, a ardósia, a
par dos outros dois materiais utilizados, possui a mesma natureza na cultura humana: são suportes
para a inscrição do signo, da lei, da palavra.
No final, todo este material, que dominava visualmente o espaço, era recolhido em contentores
relativamente familiares como o livro (no caso das encausticas), num rolo de papiro (o papel
químico) sendo que a ardósia é colocada dentro de uma caixa de madeira. No seu conjunto têm a
condição nómada e de fácil transporte.