Antropia - uma escultura Social, 2022
∙ Equilíbrio - Arte e Ecologia — Quinta Deão, 2022
Antropia - uma escultura social, 2022
Por entre os blocos de apartamentos da Rua Nova da Quinta Deão, deparamo-nos com um jardim onde
habita uma majestosa Ficus sp. A sua presença confere ao espaço urbano uma dimensão bem mais
pacífica ao seu entorno e um sentido de pertença ao lugar. Nela, sinto os ciclos biológicos como em
nenhuma outra na cidade, talvez porque dela desponta matéria orgânica de forma ininterrupta:
primeiro as brácteas, logo depois as tenras folhas e por fim os minúsculos figos — importante
alimento para insectos e pássaros. Ainda sobre estes últimos, ao se precipitarem sobre folhas e
chapas de carros (que ali aproveitam a sua sombra), produzem, no seu embate, um gotejar como se de
chuva se tratasse. A rua ganha então uma outra sonoridade mas também outro cheiro, proporcionado
pelo esmagar dos frutos, de quem a escassos centímetros do seu tronco caminha ou joga à bola, ou
pelos pneus de veículos que por ali passam incessantemente. Temos também a pigmentação do pavimento,
resultante desse almofariz aleatório, e que confere uma “aura” ao espaço assim circunscrito pelo
tamanho da sua copa. Em dias de muito vento, formam-se aglomerados de folhas em tudo o que é
esquina, como que desenhando uma evidência no espaço mas, para muitos dos habitantes desta rua, toda
esta dádiva da natureza é equivalente a lixo porque conspurca o olhar mas sobretudo os seus carros,
já para não falar do trabalho de limpeza quase diário. Tudo tem que estar asseado, organizado,
imaculado, até mesmo a desnutrida terra dos jardins.
É inegável a beleza deste ser e da sua tão revigorante presença mas será que nos apercebemos
diariamente de tamanha riqueza?
Esta Ficus, muito embora continue a ser identificada como sendo um exemplar da espécie benjamina,
carece de critérios taxonómicos mais rigorosos, pois é visível a olho nu, que o formato e dimensão
das folhas e o crescimento dos frutos, mas também por ser tratar de uma espécie de folha caduca - ao
contrário das suas congéneres - diz-me que ainda não a conseguimos identificar de forma correcta,
talvez por se tratar de uma espécie cuja família é uma das maiores no reino vegetal!?
Sobre a sua idade, podemos só adivinhar. Mas, sabemos que é um dos exemplares que, a par de uma
Araucária da Queenslândia (Araucária bidwilli), uma Casuarina (Casuarina cunninghamiana) – as mais
altas no arquipélago, dizem os especialistas - Erythrina (Erythrina abyssinica), uma palmeira de
leque (Livistona australis), uma magnólia (Magnólia grandiflora), constituem os últimos habitantes
de um jardim mágico e efabulado por quem o vivenciou e o descreveu e que agora dá a toponímia ao
lugar: os jardins da antiga quinta Deão da catedral ou do “Deado” (“The Deanery” para os Ingleses).
Terá sido esta árvore ali plantada pelo Deão da Sé? Ou pelo cônsul inglês, George Stoddart, que a
tomou como sua residência em 1836? Ou terá sido Charles Power, comerciante de vinhos e apaixonado
pela horticultura que, em 1902, comprou esta propriedade de 20000m2, investiu na reabilitação da
casa e aclimatizou exemplares florísticos - por vezes raros - representativos da flora da Austrália,
África do sul, regiões Equatoriais, índia; e de outras paragens que nem me atrevo a adivinhar.
Contam, que era uma das mais magníficas coleções de espécies exóticas do país e, até mesmo da
europa, e que era agraciada por todos aqueles que a visitavam.
Não obstante, todo este legado foi destituído de significado e a Quinta é loteada nos anos 60 para
dar lugar a modernos investimentos imobiliários, dos mais altos da época, numa cidade com uma
crescente pressão urbanística.
Desta experiência do lugar, cheia de consociações e dissociações, tornou-se importante, para
mim,
utilizar a estrutura pré-existente ao local para justapor um sólido geométrico, à escala
arquitectónica, que tivesse a capacidade de conter todas as folhas desta árvore. A partir desta
improvável combinação (o que há em comum entre uma árvore de grande porte e um campo de
futebol?),
tornou-se claro que o termo estrutura, uma espécie de aglutinador, ajudar-me-ia a lançar esta
hipótese com contornos específicos, um leit-motif.
Se atendermos à etimologia da palavra estrutura - significa entre outras coisas «organização,
disposição e ordem dos elementos essenciais que compõem um corpo (concreto ou abstrato)» e
«processo
de uma construção; edificação».' - tornar-se-ia possível considerar esta aproximação e colocar
em
perspectiva as similitudes entre determinadas funções desempenhadas pela vedação deste campo de
futebol, de uma árvore ou de um tipo de solo e formular uma quase evidência tautológica que se
tornasse declarativa: uma vedação está para um campo de futebol como um coberto vegetal está
para o
solo. Ambas as estruturas permitem que determinada condição, própria da sua organização, seja
mantida da forma mais eficiente.
Nesta correlação, estranha mas aferível no lugar, logo entendemos que a matéria vegetal, da qual
as
folhas são parte essencial, não são lixo, mas sim um importante recurso que ao ser adicionado ao
solo, decomposto ou utilizado como coberto vegetal, auxilia na qualidade da estrutura do mesmo,
melhora a retenção de água e consequente controlo da erosão, estabiliza a temperatura, promove
uma
melhor nutrição das plantas e contribui para a manutenção de uma maior biodiversidade nas
cidades.
Nada destas considerações são novas e já se aplicam aqui e ali, mas continuam a ser
insuficientes se
consideramos a quantidade disponível deste importante recurso que é diariamente recolhido de
ruas e
jardins e raramente devolvidas aos espaços que tanto delas carecem. Em parte, esta situação
resulta
de modelos culturais desajustados às novas realidades que exigem uma maior resiliência do nosso
território às alterações climáticas, que de dia para dia sentimos mais próximos da pele.
Por isso, folha não é lixo, mas sim um importante recurso que temos que reconsiderar para melhor
preparar os nossos solos, para melhor cuidarmos desse futuro. As árvores, como esta Ficus são,
dentro deste âmbito, aliados indispensáveis à biodiversidade, até mesmo nas cidades, mas temos
que
respeitar, conservar e tratar com maior dedicação e amor.
13 de fevereiro de 2022, 19:33h
SESSÃO AO AR LIVRE
Segunda-feira 28.02.2023 — 19h15
“Microcosmos: o Povo da
erva” [Microcosmos : Le Peuple de l'herbe]
Dirigido por Claude Nuridsany, Marie Pérennou
França, Suíça, 1996
Documentário
legendado em Português
75m
"Os Insetos levam-nos a redescobrir a Terra como um planeta estranho, onde reinam forças físicas
desconhecidas da nossa experiência quotidiana. Na nossa escala de gigantes, o peso é a força que
reina. Foi o peso que nos traçou os ossos, nos ditou o volume dos músculos, é ele que guia os nossos
gestos, decide o plano das nossas casas e das nossas máquinas. Tudo muda à escala dos insectos. Ao
contrário de nós, eles apresentam uma superfície corporal considerável em relação ao seu volume.
Claude Nuridsany e Marie Pérennou
EQUILIBRIO arte e ecologia: capacitação estratégica
Antropia, uma Escultura social, nasce de um projecto colaborativo de arte e ecologia intitulado “As
nossas árvores” e irá desenvolver, a partir de 24
árvores (tanto no funchal como de outras localidades da Madeira), 24 projectos criativos que
envolverão várias comunidades locais num esforço de valorização do Patrimonio Arbóreo
Madeirense, particularmente nas suas dimensões Ecológicas e Culturais.
Esta é uma iniciativa que conta com o apoio financeiro e técnico da DRAC, da Câmara Municipal do Funchal, Junta de
Freguesia do Imaculado Coração de Maria, Xarabanda e Porta33
Para mais informações consulte www.equilibrio.website